domingo, 22 de novembro de 2009

A menina que brincava com fogo

Na segunda parte da trilogia Millenium, Stieg Larsson marca alguns gols. Lisbeth Salander, que surgira como personagem secundária no primeiro livro da série, ganha merecido status de protagonista. A personagem é uma das mais deliciosas da literatura policial. Sua personalidade causa no leitor uma sensação que não pode ser resumida em uma única palavra. Dona de uma ética própria e muito peculiar, neste livro Larsson destrincha que experiências a fizeram como ela é.

Na medida em que nos aprofundamos na história de sua vida, ganham espaço outros tantos personagens que fazem deste volume ainda mais rico do que o primeiro. Miriam Wu, a amante, Paolo Roberto, o boxeador, o Gigante Loiro, a personificação em músculos do inimigo, são algumas das especiarias de Larsson que prendem o leitor para além da trama principal.

Diga-se de passagem, a trama desta vez é ainda mais instigante, com direito a tráfico sexual, proteção política e algumas reviravoltas empolgantes sob uma dinâmica ágil. A ideia de manter Lisbeth fora da narrativa durante todo o tempo em que se desenrolam os assassinatos dos quais ela passa a ser acusada, revela-se um recurso poderoso que nos mantém, assim como o próprio Blomkvist, em dúvida sobre sua inocência durante um tempo não muito longo - mas incômodo o suficiente.

A narrativa, porém, é menos coesa do que no primeiro livro, Os homens que não amavam as mulheres. A história parece ser dividida entre antes e depois dos assassinatos, mas a ruptura é de tal modo brusca que a sensação de se ter lido dois livros é inevitável. Não o suficiente da primeira parte, que retrata o período de Lisbeth fora da Suécia, se mostra proveitoso para o leitor. Se a intenção era construir um retrato sólido da personagem de forma que nós já a conhecessemos o suficiente quando sua inocência fosse posta em prova, há de ter sido excessivo. Larsson perde a medida quando conduz a narrativa pelos tais dilemas matemáticos, se arrasta nas passagens do furacão no Caribe e enche linguiça com o caso do implante de silicone nos seios.

Se Millenium é uma trilogia, a sensação é de que o primeiro livro funciona como introdução para o Michael assim como a primeira parte do segundo, para Lisbeth. Apenas daí em diante inaugura-se o que será o cerne do thriller, cuja continuação fica em suspenso. Mas isto me parece muito menos uma falha do autor do que escolha editorial. Resta ler o terceiro.

A menina que brincava com fogo. Larsson, Stieg. Companhia das Letras: São Paulo, 2009.

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