quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Lo-li-ta

Lolita. Gíria que no mundo inteiro passou a designar meninas na faixa entre 9 e 12 anos de idade sexualmente atraentes. Ninfeta.

O prefácio redigido pela personagem John Ray, suposto médico que introduz a autobiografia de Humbert Humbert, adverte leitores distraídos: esse não é um romance pornográfico. Ainda assim, nos Estados Unidos fora das páginas da década de 1950, quatro editoras diferentes recusaram a primeira obra em inglês do escritor russo Vladmir Nabokov. Lolita saiu pela primeira vez em Paris, em 1955, e a publicação nos Estados Unidos aconteceria três anos depois, quando o livro alcançou o primeiro lugar na lista de mais vendidos do The New York Times.

De posse de um romantismo irônico, o professor de literatura francesa Humbert Humbert narra sua obsessão infantil pela menina Dolores. No conto russo que deu origem ao livro, Dolores era francesa, H.H., da Europa Central, e a narrativa se transcorria entre Paris e Provença. Nabokov importou para o romance, no qual voltou a trabalhar apenas nove anos mais tarde, a ideia do casamento com mãe da menina, e algumas das características da jovem personagem. Fora isso, todos os novos elementos foram inseridos a posteriori, principalmente o cenário nos Estados Unidos, país para o qual o autor imigrara. Ao longo da narrativa, a personagem-narrador desdobra sua obsessão infantil (e infantilizada) de tal modo que o leitor não pode evitar a compaixão por ele. De boas risadas com sua tirania e paranoia, chegamos à segunda parte do livro com certa pena deste homem claramente manipulado por uma Lolita mais mulher do que menina neste aspecto.

Confesso que, por um preconceito oculto, hesitei inúmeras vezes em ler Lolita. Menos por causa da questão da pedofilia e mais pelo fato de achar que o livro não seria mais do que isso. E é. Na verdade, o livro não é uma história de pedofilia. O livro não é sobre uma jovem menina erotizada. Lolita é uma história de amor, uma história de obsessão. Todos os outros personagens – inclusive a menina Dolores – são sumariamente ofuscados pela riqueza de Humbert Humbert. Um homem de meia-idade, europeu, vivendo anárquica e libidinosamente no país da liberdade, atormentado por seus próprios fantasmas e ironizado por seu destino. Lolita, para mim, só ganha consistência quando aparece, pela última vez, grávida, casada, filha. A Lolita dissimuladora, mimada, emocional, mulher, não convence – nem a nós, nem ao próprio H.H.

No belo posfácio do livro, Nabokov expõe as dificuldades que encontrou quando sua obra enfrentou o tabu da pedofilia, dizendo que considerou, inclusive, publicá-la sob um pseudônimo, mas desistiu ao concluir que isso seria uma traição a ele mesmo. O autor também repudia análises psicanalíticas que explicam – ou tentam explicar – o romance. Segundo ele, o livro não foi escrito com fins didáticos e não traz, por isso, nenhuma moral consigo. Defende, ainda, que o leitor não deve buscar em uma obra de ficção informações sobre o autor, um país ou uma classe social. Isso porque, uma das reações ao livro foi tomá-lo como uma crítica à nação norte-americana, coisa que o autor nega veementemente, alegando ter usado apenas cidades e estradas que conheceu como base para fundamentar cenas que, para ele, são os alicerces da obra.

Lolita consagrou-se como uma das obras mais importantes da literatura mundial, e consagrou Vladmir Nabokov em sua brilhante carreira. Mais tarde, foi adaptado ao cinema pela primeira vez em 1962 por Stanley Kubrick.


 

Vladmir Nabokov. Lolita. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

2 comentários:

  1. Lolita é uma obra-prima da literatura do séc.XX. Uma narrativa riquíssima em recursos estilísticos; há tanto o que se apreciar, que se torna uma leitura mais do que recomendada!
    Livia Garcia-Roza

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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