Na primeira parte de Coração das trevas, ainda não se tem muita certeza sobre a proposta do livro. Será um romance anticolonialista? A novela de Joseph Conrad dificilmente pode ser restringida a um único tema, mas sem dúvida trata a desumanização imposta aos colonos africanos, neste caso, no Congo, com muita ginga.
Para recriar a senação de navegar o rio africano - onde o próprio autor esteve no final do século XIX -, Conrad recorre à narrativa reflexiva de seu alterego, o capitão Marlow, cuja principal missão é resgatar o comerciante Kurtz - ele que no texto representa a própria Europa (metáfora explícita inclusive na relação que mantém com o "alemão"). Na medida em que o enredo se desenrola, somos conduzidos nós mesmos às profundezas das trevas, às profundezas das almas dos personagens: Marlow diz e repete que aquele lugar suscita uma viagem interior. E é através desse caminho solitário percorrido por ele, Marlow, que testemunhamos, nós, o processo histórico - uma crítica intensa e sutil à colonização belga, vista como muito inferior à inglesa. O encontro derradeiro de Marlow com a "prometida" de Kurtz representa a absolvição, a humanização, o perdão branco deste símbolo da exploração europeia.
Coração das trevas foi publicado em 1902, no entanto, é tão atual quanto se tivesse sido escrita ano passado. Tal contemporaneidade de Conrad inspirou o cineasta Francis Ford Coppola a filmar Apocalypse now, em 1979, que ganhou versão sua mais ampla no novo milênio, Apocalypse now redux. As questões humanas e humanitárias, políticas e literárias que a novela abarca, tornaram-na grande referência da modernidade, até hoje amplamente estudada. E talvez tenha sido mesto esta a única proposta de Conrad.
A ficção é história, história humana, ou não é nada. Mas também é mais que isso: ela se apóia em chão mais firme, baseando-se na realidade das formas e na observação dos fenômenos sociais, enquanto a história é baseada em documentos e na leitura de impressos e de manuscritos - em conhecimento de segunda mão. Assim, a ficção está mais próxima da verdade. Mas deixemos isso de lado. Um historiador também pode ser artista, e um novelista é um historiador, o preservador, o detentor, o expositor, da experiência humana.
Joseph Conrad
Citação lembrada por Luiz Felipe de Alencastro,
no posfácio da edição de bolso da Companhia das Letras, 2008
Joseph Conrad
Citação lembrada por Luiz Felipe de Alencastro,
no posfácio da edição de bolso da Companhia das Letras, 2008
Bravo, Anaik!
ResponderExcluirO carioca.